"Minha mãe, quando trabalhava no Jardim Gramacho, logo quando ela começou, ela passava 2 semanas, às vezes uma semana, dormindo ao relento, às vezes em barraca, às vezes ao relento mesmo lá em cima, lá na rampa, depois ela vinha pra casa, tomava banho, ficava toda bonitinha... depois voltava de novo e assim ia... Ficou 5 anos assim. Eu e meu irmão um dia chamamos ela: “mãe, sai dessa vida lá no lixão... lá é difícil, as pessoas têm que dormir no relento... e coisa e tal. E conversamos, é perigoso achar um negócio, fura você, te contamina... ela quis sair. Aí ela foi trabalhar no Mar e Terra (um superrmercado que foi posteriormente comprado pela Sendas) . E quando ela saía, dia de sexta-feira ou sábado, ela se reunia com os colegas (...) e aí ia parar pra beber uma cervejinha, e na hora de ir embora, cada um ia pro seu canto, e ela vinha sozinha. Aí foi estuprada uma vez no centro de Campo Grande, foi estuprada uma segunda vez aqui nessa mesma rua que eu moro... na época não tinha nem luz aqui... ela falou que o cara fez sexo anal com ela, ela gritando:
-“Para, pelo amor de Deus”
-“Que Deus, esquece Deus...”
o estuprador falava pra ela, e fez sexo com ela de todas as formas que quis com ela, e depois mandou ela ir embora. Aí ela chorava, contava, chegou em casa muito revoltada, né. Nesse tempo, ela não tinha alucinação, não tinha pertubação nenhuma, muito religiosa, e acreditava que Deus ia... que aquilo que ela tava passando era uma provação.-“Para, pelo amor de Deus”
-“Que Deus, esquece Deus...”
Começou a alucinação assim: ela começou a chegar em casa e falar assim: “D. Maria, cê sabe que quando eu cheguei lá no meu quarto hoje pra trabalhar, alguém tinha feito um trabalho de macumba pra mim... agora cê vê se eu acredito nessas coisas, nessas palhaçadas, o pessoal ao invés de trabalhar para adquirir as coisas...” aí pisou na macumba, jogou a tal da macumba fora, fez não sei o que lá mais... “Eu vou acreditar nessas coisas nada, que Deus me protege, Deus é tudo... é Deus que me guia e me guarda...”
Aí um mês depois começou: “Ó, tem gente, eu tenho a impressão de que tem gente do FBI atrás de mim... eu tenho a impressão de que quando eu pego o ônibus, tem alguém me filmando dentro do ônibus, eu não sei pra quê, com câmera escondida”.
Um dia ela sentou lá no quintal da minha sogra e aí olhou... olhou... olhou... e falou: “ isto aqui é o poder, isto que é tudo que é real...”
Daquele dia em diante eu acho que ela desistiu mesmo de Deus, agora é só “eu”, e só “eu”, e o poder dela e acabou..."
A senhorinha porreta de Gramacho é considerada esquizofrênica pelos homens. No entanto, é até hoje a pessoa mais sã que já vi.
Ano: 2004
Direção: Marcos Prado
Trailer e mais informações no site oficial
Transcrição do documentário: